Alexandre Krob*
A história parece meio maluca, mas é a mais pura verdade. Um enorme passivo de
reservas legais em assentamentos do INCRA localizados no
Rio Grande do Sul pode ser a salvação das Unidades de Conservação
em nosso estado.
A possibilidade foi descoberta pelo Instituto Curicaca em meados deste
ano. O Departamento de Meio Ambiente do INCRA informou que estava tentando
utilizar a Lei da Mata Atlântica, que permite a compensação de Reserva
Legal pela aquisição de terras dentro de Unidades de Conservação, com fins
de resolver um passivo que dificulta o licenciamento ambiental dos
assentamentos. Esta possibilidade pareceu ser a solução para o maior
problema do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC – e sua
versão estadual – SEUC. Isso porque, em média, 70% das terras localizadas no
interior de parques, reservas e outras Unidades de proteção integral ainda
não foram indenizadas aos seus proprietários. Sendo assim, como podemos
implementar um plano de manejo, realizar ecoturismo, educação ambiental e
até pesquisas em áreas que não são do Estado ou da União? Baita
problemão, é claro.
“Cavalo dado não se olha os dentes”. Peraí, quem foi que disse isso? Se
todo mundo sair compensando Reserva Legal comprando áreas em Unidades de
Conservação o que vai acontecer no território entre estas Unidades?
Lavoura pra todo lado. E como é que uma jaguatirica vai se deslocar
entre uma Unidade e outra? Vai levar chumbo, sem dúvida. Se a
regularização fundiária é o maior problema para a efetividade das Unidades
de Conservação, a fragmentação de ecossistemas é um dos maiores problemas
para a conservação da biodiversidade e a manutenção dos serviços
ecológicos oferecidos pela natureza aos seres humanos – polinização,
qualidade e disponibilidade de água, conforto microclimático, etc., etc.,
etc. E quem tem um papel muito importante na conectividade entre as
Unidades? As Reservas Legais, cada uma na propriedade original funcionando
como trampolins para o deslocamento da bicharada.
Bem, então gorou! Se quando a gente utilizar a Lei da Mata Atlântica para
compensar Reserva Legal dentro de Unidades de Conservação vamos prejudicar
a conectividade entre estas e inviabilizar espécies que dependem de uma
área de ocupação muito maior do que as pequeninas áreas protegidas criadas
na Mata Atlântica, tem algo errado aí. Tem mesmo! Esta alternativa criada
na lei teve sua fundamentação no olhar exclusivamente preocupado com a
situação crítica pela qual passam as Unidades de Conservação no Brasil.
Foi “UCcentrista”. Se estivéssemos lá, seriamos contra. As Unidades de
Conservação da natureza, as Áreas de Preservação Permanente e as Reservas
Legais têm papéis indubitavelmente complementares e insubstituíveis na
conservação da biodiversidade e manutenção dos serviços ambientais.
Assunto encerrado? Não, o motivo pelo qual a Lei da Mata Atlântica previu
esta compensação é onipresente. Caos! Isso é o que a gente vê quando olha
pra uma e pra outra Unidade de Conservação. Quem você conhece, que não seja
um biólogo ou um outro profissional da área de meio ambiente, que proponha
a criação de novas Unidades? Desde a década de setenta os parques e
reservas se apresentam como um problema social, algumas vezes mascarado
pelas rendas de bilheteria naqueles casos em que são um atrativo turístico
internacional. Qual o principal motivo? O Estado não paga! Promete, mas
não paga e quer fazer o que bem entende com a terra que não pagou. Então
se a sociedade está avessa às Unidades de Conservação, se muitos governos
estaduais aderiram à derrocada ambiental e estão diminuindo o tamanho das
Unidades ou mudando suas categorias, se para criar uma nova Unidade de
Conservação federal é preciso a concordância dos governos estaduais e isso
não acontece, estamos numa situação emergencial para a qual cabe
perfeitamente a aplicação do que foi previsto na Lei da Mata Atlântica.
Por tudo isso, o Instituto Curicaca resolveu agir como provocador, facilitador e controlador social de uma cooperação entre INCRA, ICMBio e SEMA-RS, a qual poderá resolver, no mínimo, 50% do problema fundiário das Unidades de Conservação do Rio Grande do Sul. O INCRA está querendo, o ICMBio está muito interessado e a SEMA está avaliando. Lá vem o cavalo encilhado. Só não pega quem não quer!
*Agrônomo, mestre em agronomia, especialista em gestão ambiental, ambientalista, coordenador técnico do Instituto Curicaca e membro dos conselhos gestores de sete Unidades de Conservação.
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