Ainda que a grande mídia não paute e não atualize a comunidade civil sobre os efeitos socioambientais do rompimento da barragem da SAMARCO em Mariana, MG, lembremos aqui que o maior crime ambiental no Brasil (há seis meses impune, ainda que continue ameaçando a vida das espécies à margem do Rio Doce), aconteceu devido a uma licença prévia mal formulada e mal concedida. Exaltemos, portanto, a urgência em falarmos, denunciarmos, informarmos e manifestarmo-nos a favor da qualidade do licenciamento ambiental e da manutenção daqueles procedimentos burocráticos que são necessários ao domínio dos fatores que garantem um meio ambiente equilibrado, frente à mão de interesses de empreendedores.
O licenciamento ambiental assegura o artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o direito do cidadão brasileiro a um meio ambiente saudável. Além disso, essa medida serve como ferramenta principal da Administração Pública, enquanto intermedia as relações do desenvolvimento da espécie humana em equilíbrio aos recursos naturais. O licenciamento ambiental está previsto em lei, sob o que discorre a Política Nacional do Meio Ambiente Sobre a Política Nacional de Desenvolvimento na Lei 6.938 de 1981, baseado também nas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) 001/86 e 237/97, bem como na Lei Complementar 140/2011. Por mínima que seja a interferência humana na natureza, nossos empreendimentos – geridos, construídos e concebidos pelo homem a partir dos interesses econômicos que vislumbra – já são degradantes para o meio ambiente. Assim, entendemos que o licenciamento ambiental, por si só, já prevê a ordem da Natureza perturbada. No Brasil atual, entre tantos riscos de retrocesso, é incabível, inaceitável que medidas de precaução aos desastres ambientais sejam dispensadas dos procedimentos legais e necessários dos licenciamentos ambientais. Logo, tão inaceitável quanto, é que o Legislativo e seus agentes de poder se oportunizem do período de fragilidade econômica e política que estamos vivendo, bem como da seletividade da mídia – que direciona o seu foco para o dilema do Impeachment – para implodir o licenciamento ambiental.
Estão em processo legislativo cinco propostas (PEC 65/12; PL 3729/04; PLS 654/15; Alteração nas resoluções do CONAMA nº 01/86 e 237/97) que afrontam a lógica do desenvolvimento sustentável e a esperança de preservação ambiental em um país que vive, desde a sua colonização, uma relação unilateral de exploração dos seus recursos naturais. Dentre as proposições que ameaçam o LA está o Projeto de Lei 654/2015, do senador, citado na Operação Lava Jato, Romero Jucá (PMDB-RR), que pretende o estreitamento dos prazos para conceder as licenças ambientais - período crucial para a análise técnica da magnitude dos impactos ambientais gerados pelos empreendimentos. Outro pilar do Licenciamento Ambiental (LA) em risco de desmoronamento é o Estudo Prévio de Impactos Ambientais (EIA, Art. 3º da Resolução CONAMA nº 237/97), que periga ser dispensado dos documentos técnicos exigidos, juntamente com o RIMA-Relatório de Impactos Ambientais. Essa possibilidade invalida o papel de relevância que os estudos da comunidade científica têm como ferramenta de precaução aos impactos ambientais, além de reduzir a participação das outras esferas (órgãos técnicos, sociedade civil e comunidade científica).
ACONTECEU NO RS
Em Abril (11), o Ministério Público do Rio Grande do Sul com o apoio da ABRAMPA - Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, promoveu uma Audiência Pública, em Porto Alegre, para discutir as resoluções que alteram o procedimento do licenciamento ambiental no âmbito do CONAMA. A reunião teve participação da cúpula do MP RS, da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do RS, além da presença de técnicos estaduais e municipais, estudantes, professores universitários e alguns representantes de empresas. A manifestação do conselheiro da CONAMA surpreendeu positivamente o público em oposição às alterações, pois mencionou aspectos de inconformidade das propostas, declarando a saída dos ambientalistas da Câmara Técnica do CONAMA, caso essas sejam aprovadas. O presidente da ABRAMPA afirmou que o Ministério Público combate as tramitações, alegando mover ações contra cada empreendimento que adotar a proposta, se aprovada.
Um dos que se manifestaram na audiência foi o prof. Andreas Kindel, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que trata do licenciamento ambiental em disciplinas do curso de Ciências Biológicas. Questionado pelo Instituto Curicaca, ele criticou que houvesse justificativa para que a discussão fosse aberta no âmbito do CONAMA, de modo que as proposições feitas pela ABEMA não possuem sustentação técnica necessária para a revisão de uma resolução. Andreas Kindel, afirma não ter dúvidas quanto à demora dos processos de licenciamento, entretanto, responsabiliza os empreendedores e seus consultores pela intransigências em incorporar as questões ambientais na fase de elaboração dos projetos. O discurso de desobstrução da economia brasileira não serve de justificativa para desprezar as fases do licenciamento ambiental. Não se trata de morosidade questionável, mas sim de questões éticas do caráter duvidoso do nosso Legislativo e da irresponsabilidade por parte dos empreendedores, apressados em obter suas licenças para construir lucro sobre algumas destruições.
SEMPRE PODE PIORAR
Ainda, no intuito de denunciar as propostas ruralistas que amedrontam o futuro da legislação ambiental brasileira, chamamos atenção para o que chamam de Pauta Positiva 2016/2017. Apresentado pelo Instituto Pensar Agropecuária (IPA) e pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) em reunião do Conselho Nacional dos Secretários de Estado de Agricultura (Conseagri), o plano de “desenvolvimento” da agropecuária nacional tem como algumas pretensões transferir a competência de demarcação de Terras Indígenas do INCRA para o Congresso (PEC 215), reduzir os poderes deliberativos do Conselho Nacional do Meio Ambiente, bem como, restringir a fiscalização do Ministério do Trabalho, além de pretender fragilizar a fiscalização sanitária no que diz respeito ao uso e ao comércio de defensivos químicos na indústria agropecuária. De positiva, não tem nada!
ARRUINAR É QUESTÃO DE TEMPO
Tomada a consciência dos absurdos em jogo, concluímos que a crise da legislação ambiental brasileira problematiza a questão do “tempo”. Enquanto alguns lutam para que certos processos não caiam em morosidade, como a demarcação de terras indígenas, por exemplo, outros contestam a demora na concessão de licenças ambientais. Ao mesmo tempo em que há um descaso do governo com os órgãos ambientais, vagarosos em seus estudos por motivo de carência de investimento em corpo e aparatos técnico, há também uma luta dos governos para burlar a burocracia e acelerar o processo de desenvolvimento econômico, às custas de uma legislação frágil, invadida pela política de interesses.
Enquanto testemunhamos a verticalização dos municípios litorâneos, os estratos mais fundamentais do Licenciamento Ambiental estão em processo de evacuação, sujeitos ao risco de desmoronamento. Enquanto os noticiários do horário nobre protagonizam a crise política e enfatizam a instabilidade econômica, a sujeira dos crimes ambientais continua avançando e permanece impune , quando em foco, é reduzida a acidente. Enquanto o país exporta sua riqueza em biodiversidade, incentiva o desmatamento (Novo Código Florestal 2012) e cultiva consequências cada vez mais graves de uma crise hídrica. Os paradoxos formam o cenário perfeito para a inexplicável flexibilização nos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente e para a implosão do Licenciamento Ambiental.
Entre tantos riscos de retrocesso, estaria mais uma vez o meio ambiente sendo vítima da política de interesse – a que notoriamente governa os três poderes? Protagonizamos o Licenciamento Ambiental para denunciar a crise de Imoralidade e atentar a sociedade aos perigos das morosidades programadas. Uma população consciente, que nega a ignorância, é por consequência uma população inquieta e insatisfeita. É responsabilidade do Instituto Curicaca, parte atuante da população dos inquietos, manifestar-se contra a implosão do LA e denunciar a crise moral que manipula o nosso frágil sistema legislativo. Os engenheiros das propostas de flexibilização são verdadeiros empreendedores de seus próprios interesses, capazes de destruir os pilares mais fundamentais do licenciamento ambiental para reduzi-los a ruínas.
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