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Logística reversa de embalagens de vidro esquece a reutilização de garrafas e faz jogo das empresas

Nesse momento está em consulta pública o Decreto Federal que institui a Logística Reversa de Embalagens de Vidro [1]. Esse tema e a legislação que o envolve tem uma enorme relação com a poluição dos oceanos com plásticos, problema ambiental em nível global para o qual o Instituto Curicaca vem dedicando esforços mais recentemente. Você pode entrar no site e fazer suas críticas e sugestões, como a gente. Acesse o link https://bit.ly/3bJKYea.


A logística reversa, conforme a Lei Federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 da Política Nacional de Resíduos Sólidos [2], é um “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.”


Ao analisá-la sob a ótica das garrafas de vidro, essa prática, embora ainda não conceituada com esse nome naquele tempo, já existia na sociedade quando as garrafas tinham um valor individual, que era descontado na devolução ao estabelecimento comercial pelo consumidor quando da aquisição de um novo produto. Assim, as garrafas permaneciam por um longo tempo no ciclo de vida do produto sendo reutilizadas, hoje calculado em pelo menos 20 vezes [3] e, ao final, quando lascavam ou quebravam, passavam para a reciclagem. O ápice dessa prática foi a unificação das garrafas patentes, que podiam ser reutilizadas por diferentes fabricantes de conteúdo – cerveja, refrigerante, álcool.


Essa forma de reutilização de embalagens de vidro remete-nos a uma reflexão sobre o conceito da logística reversa, apresentado anteriormente nesse texto, bem como outras orientações da Política Nacional de Resíduos Sólidos. No parágrafo I do artigo 36, o reaproveitamento é conceituado como “reutilização e reciclagem”. A ordem em que as ações são apresentadas tem um significado inerente de prioridade, e o princípio desse conceito legal aponta que, primeiro, precisamos buscar formas de reaproveitamento que visem o máximo de reutilização possível e, depois, buscar formas de reciclagem.

Um exemplo disso é o conceito e a diretriz de gestão de resíduos do famoso princípio dos 3 R – Reduzir, Reutilizar e Reciclar – da Agenda 21 da Sustentabilidade da ONU e, posteriormente do Brasil, onde para que consigamos coloca-los em prática com eficácia, primeiro é necessário refletir sobre a necessidade do consumo e buscar Reduzi-lo, se não for possível, temos que buscar produtos e embalagens que permitam Reutilizá-los e, para os casos em que nenhuma das ações anteriores for possível, ou a reutilização tenha um limite, temos que agir preventivamente e afetivamente pela Reciclagem.


Postos esses pressupostos, que explicitam claramente um dos princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o Decreto Federal que institui a Logística Reversa de Embalagens de Vidro vem na contramão desses princípios e das necessidades e orientações mais atuais em relação às embalagens de plástico ao tratar a reutilização de maneira superficial e sem nenhuma regulamentação ou obrigação que promova esse processo. Na contramão também de organismos internacionais e políticas de outros países, que têm enfatizado e normatizado pela Redução do consumo de embalagens plásticas e pela retomada de embalagens retornáveis. Mas o texto do decreto sequer aborda essa necessidade e estratégia. Não responsabiliza os estabelecimentos comerciais por receberem as embalagens, estabelece que o vasilhame não tem valor quando na mão do consumidor, cria formas de centralização da recepção dos vasilhames que são inócuas na cultura da sociedade de lavar as mãos sobre sua responsabilidade, deixa sem orientação para processos de lavagem e reutilização de vasilhames nas linhas de produção ou em intermediários.


É de conhecimento de técnicos conservacionistas, pesquisadores e de alguns gestores públicos, que as corporações envolvidas na fabricação e comercialização de embalagens plásticas, assim como as indústrias usuárias dessas embalagens têm pautado os governos para que não pressionem o modo atual de produção. Inclusive, esses atores criam ações de fachada que buscam desviar o olhar crítico sobre a enorme dimensão de suas responsabilidades com a poluição ambiental [4]. No passado, por exemplo, a introdução de garrafa PET em nossa sociedade veio associada a uma propaganda de que se tratava de material totalmente reciclável e que a instalação de processos de coleta seletiva e fabricação de produtos reciclados acomodaria muito bem a nova embalagem. Então, supostamente, não deveríamos nos preocupar com o desaparecimento das garrafas de vidro. O tempo mostrou o contrário, o percentual de utilização de PET reciclável em novas garrafas é baixíssimo e a taxa de reciclagem efetiva do plástico produzido não ultrapassa 1,28 % [5], segundo estudo conduzido pelo WWF e, mesmo que fossem usados os dados de reciclagem fornecidos pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico em contraposição ao estudo, que se defende afirmando serem 25,8% [6], ainda seria um absurdo a quantidade que sobra. Ou seja, todo o restante, de 75 a 99% vai fora e, grande parte acaba nos mares e oceanos do Planeta, no estomago de tartarugas, mamíferos e aves marinhas, assim como no organismo humano por meio de microplásticos.


Posto isso, consideramos inaceitável que a proposta de decreto federal que institui a Logística Reversa de Embalagens de Vidro não tenha estabelecido a obrigação da retomada das garrafas reutilizáveis e, inclusive, ampliado para a necessidade e logística de reutilização de outras embalagens de vidro. Isso poderia ser feito pela obrigação de os comerciantes reinstalarem sistemas de recepção e pagamento dos vasilhames e das indústrias retomarem gradativamente o uso de embalagens reutilizáveis incluindo a lavagem desses vasilhames, ou na sua linha de produção ou por meio de empresas fornecedoras desse serviço. Isso teria um impacto significativo na redução da poluição da natureza por embalagens plásticas e poderia, inclusive, promover a criação de novos serviços e empregos ajudando a aquecer a economia.


Nossa solicitação é de uma completa revisão no conteúdo da proposta do Decreto visando atender aos princípios e necessidades de reutilização de embalagens aqui apresentados e enfatizando pelo regramento e obrigatoriedade que a cadeia de produção e comércio instale as medidas necessárias para implementá-la, o que com certeza receberia o apoio e a colaboração de diversas instituições da sociedade, da academia, de técnicos em gestão ambiental de órgãos de meio ambiente e significaria um importante passo do Brasil na necessária retomada de seu papel de vanguarda na gestão ambiental e conservação da natureza.


[1] MMA. 2021. Consulta pública do Decreto Federal que institui a Logística Reversa de Embalagens de Vidro. In http://consultaspublicas.mma.gov.br/.../DECRETO_Logistica... Acesso em 10.01.2021. [2] BRASIL. 2010. Lei Federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. In http://www.planalto.gov.br/.../_ato20.../2010/lei/l12305.htm Acesso em 10.01.2021. [3] EXAME. 2016. Como a AMBEV faz garrafas de vidro e as reusa até 20 vezes. In https://exame.com/.../como-a-ambev-faz-garrafas-de-vidro.../ Acesso em 15/01/2021. [4] LERNER, S. Como a indústria do plástico luta para continuar poluindo o Mundo. The Intercept_Brasil. 2019. In https://theintercept.com/.../como-industria-plasticos.../ Acesso em 10.01.2021. [5] WWF. 2019. Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização. In http://promo.wwf.org.br/solucionar-a-poluicao-plastica... Acesso em 15.01.2021. [6] ABIPLAST. 2019. Nota sobre Relatório Solucionar a Poluição Plástica. In http://www.abiplast.org.br/.../nota-sobre-o-relatorio.../ Acesso em 15.01.2021.




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