Ainda na metade do ano passado, em julho de 2013, foi finalizado o processo de revisão da Lista Oficial das Espécies da Fauna Silvestre Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul, cuja última publicação ainda em uso data de 2003. Coordenado pela Fundação Zoobotânica (FZB), o levantamento de informações foi um trabalho amplo e cuidadoso que teve a contribuição de 275 pesquisadores de 40 instituições do RS e de fora do estado, através de subsídios técnicos e informações bastante detalhadas sobre as espécies em risco.
Destes pesquisadores, 129 estiveram diretamente envolvidos de forma voluntária na elaboração da lista, o que significou um grande esforço e um alto investimento de tempo, a longo prazo, para que o conhecimento técnico sobre a fauna fosse atualizado. Porém, ainda que o governo estadual tenha assumido o compromisso, por decreto, de publicar a lista ainda no ano passado, o trabalho final esbarra na morosidade, e gera um sentimento de insegurança quanto a uma possível mudança na gestão governamental para o ano que vem.
A lentidão se agravou em função do lobby de setores interessados em que fosse removido da lista o dourado (Salminus Brasiliensis), peixe cujos últimos indivíduos no RS são encontrados hoje na Bacia do Rio Uruguai e no Rio Pelotas. Nestas bacias estão previstas uma série de empreendimentos hidrelétricos de pequeno porte (PCHs), só para o Rio Pelotas estão previstas 12 centrais, além de projetos de maior expressão, como o complexo Garabi-Panambi, em trecho do Rio Uruguai que divisa com a Argentina e cuja previsão de alagamento é de 70mil hectares, impacto maior que o de Belo Monte. Espécies que necessitam ambientes de correnteza, caso do dourado, são diretamente afetadas por intervenções que geram alagamentos, já que dependem de uma extensão mínima de 80 quilômetros de rio para realizar a piracema (desova).
A tentativa de remoção da espécie não é motivada exclusivamente pelo objetivo de ampliação das estruturas hidrelétricas, convergindo também com interesses empresariais e de pescadores esportivos. Professor do departamento de Ecologia, Fernando Gertun Becker, considera compreensível que esta pressão política tome forma, no entanto, “precisamos confiar no processo de avaliação, que é um trabalho sério e fundamentado em protocolos internacionais”. Becker ressalta dois pontos que fazem dessa protelação uma situação bastante delicada: o envolvimento de uma enorme quantidade de pesquisadores que saem de suas rotinas para se dedicar a um projeto paralelo e não têm o retorno prometido, além do risco às espécies que aumenta na medida em que as informações não são atualizadas.
Base técnica para políticas de conservação
A Lista Oficial, formato renovado do antigo Livro Vermelho da fauna ameaçada, é considerada um documento de consulta essencial para quem atua na área ambiental, sendo instrumento de trabalho para que políticas de conservação possam ser tomadas e implementadas e como parâmetro para concessão de licenciamentos em áreas que abrigam espécies ameaçadas. O material supre uma série de informações minuciosas sobre cada espécie, tais como a distribuição geográfica atualizada, situação populacional e ainda prevê ameaças e ações de proteção recomendadas.
Bióloga e pesquisadora do Ibama, Cibele Indrusiak, considera preocupante que se abra o precedente para a não inclusão de uma espécie comprovadamente em risco e acredita ser urgente que as mudanças de categorias quanto às espécies que atualmente não possuem proteção legal sejam oficializadas. Segundo ela, a publicação é indispensável para que os órgãos envolvidos em decisões ambientais de alta relevância tenham respaldo para aplicação da legislação, visto que “o livro representa a base técnica que fundamenta todas as políticas de conservação, e precisa ser apresentado com transparência”.
Os pesquisadores sequer foram oficialmente informados sobre o porquê do atraso na publicação do Livro, frustração compartilhada tanto por Cibele quanto por Fernando Becker.
Informações sobre a situação do cervo-do-pantanal foram atualizadas
O Instituto Curicaca participou da consulta pública on-line sobre as espécies da fauna ameaçada no Rio Grande do Sul realizada em julho de 2013. Os resultados de pesquisas sobre a ocorrência do cervo-do-pantanal na região do Banhado Grande foram registrados no LIVE (Sistema Virtual da Lista Vermelha do Rio Grande do Sul), método desenvolvido pela FZB que possibilitou uma nova forma de compartilhamento e sistematização das informações aos pesquisadores. Para Alexandre Krob, coordenador técnico da ONG, a situação á bastante crítica, “cerca de 130 espécies atualmente classificadas como ameaçadas não estão na lista de 2003 e, por isso, estão sendo desconsideradas nos licenciamentos ambientais em curso. Porém, há outras ameaças nesse contexto, a credibilidade na Secretaria Estadual de Meio Ambiente, oferecida pelos mais de 200 pesquisadores que trabalharam no processo. Também poderá entrar em jogo os votos daqueles eleitores que tem no compromisso público com a conservação da biodiversidade um importante medidor de sucesso dos governantes estaduais”.
Por ocasião da Semana do Meio Ambiente, iniciada no último domingo, dia 1º de junho, e por consideração aos pesquisadores envolvidos, convidamos a sociedade civil, as instituições de caráter ambiental e os meios de comunicação responsáveis a fazer repercutir esta nota. Exigimos ao Governo do Rio Grande do Sul o cumprimento de um acordo assumido no começo do atual mandato, a publicação imediata da Lista Oficial das Espécies da Fauna Silvestre Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul, sem censura ou alterações no seu conteúdo.
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