O Curicaca está realizando pelo Facebook, desde maio, uma série de postagens com fotos das unidades de conservação (UCs) brasileiras. A exibição virtual com o nome “Fotos de um Patrimônio Natural Brasileiro Ameaçado” mostra registros do fotógrafo ambientalista Wigold Schaffer. Ele ajudou a criar diversas unidades, e fotografou pelo caminho as riquezas biológicas e culturais guardadas nesses locais. A primeira série de fotos pode ser visualizada através deste link, e a última a partir deste. Com os cliques de Wigold, o Instituto Curicaca chama atenção para o risco que as UCs correm atualmente.

A gestão Bolsonaro ameaça todas as 334 unidades de conservação existentes hoje no país. De acordo com matéria do Estadão, o Ministério do Meio Ambiente declarou que criará um grupo de trabalho para rever todas as UCs, com o objetivo de reduzir, extinguir ou modificar categorias - o que poderá flexibilizar unidades de proteção integral para outros usos impactantes. O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, justificou dizendo que “parte das unidades foi criada sem nenhum critério técnico”.
A ONG Curicaca acompanha há anos a criação das áreas de preservação. A fala do ministro não se comprova na realidade, quando existe “um processo muito longo e muito rigoroso para criar as UCs”, explica Alexandre Krob, coordenador técnico do Curicaca. “A primeira etapa envolve levantar argumentos que justifiquem a criação, como a riqueza biológica e a existência de lacunas na sua conservação, a proposta de limites capazes de abranger essa riqueza, dentre outras. Isso é feito por um grupo de especialistas, biólogos, agrônomos e outros. Depois, a proposta vai para audiências públicas, quando é discutida com a população e onde a proposta inicial pode ser revista e ajustada, havendo argumentos ”, ele relata. Além disso, “ao contrário do que diz o ministro, o Brasil é um dos países que mais investe em estudos técnicos e científicos para a criação das UCs”, salientou Angela Kuczach, diretora da Rede Pró-UCs, em entrevista para a revista Ihu, da Unisinos.
Apressa de Jair Bolsonaro em reduzir as áreas de proteção esbarrou no Sistema Nacional das Unidades de Conservação. De acordo com o SNUC, o presidente pode, via decreto, criar unidades, mas não diminuir ou extinguir. Em entrevista para o Estadão, o governo afirmou que não descarta mudar a SNUC, removendo o empecilho legal para reduzir ou extinguir UCs mais rapidamente. Por enquanto, redução ou extinção só podem ocorrer a partir de Projeto de Lei, que depende da aprovação do Congresso Nacional. No Ministério da Infraestrutura tramita um PL de redução de 67 UCs federais (parques, florestas e monumentos nacionais, além das reservas biológicas). Constam na lista para recortes todas as unidades margeadas ou entrecortadas por rodovias, ferrovias e portos. O motivo alegado é de que estariam em conflito com a malha de transporte do país.
Mas, na prática, o que acontecerá? Conforme a apuração da repórter Fernanda Wenzel, para matéria do site ((o))eco o Ministério da Infraestrutura pretende com o PL excluir a faixa de domínio das UCs (a área de 40 a 130 metros em torno das pistas é chamada de faixa de domínio). Com isso, a gestão da estrada poderia ficar fora de alcance do plano de manejo da Unidade, sem regras de proteção da fauna ao atropelamento, por exemplo, ou ao envenenamento por produtos tóxicos transportados. “A velocidade, a possibilidade de asfaltamento, as intervenções de manutenção, os tipos de materiais utilizados, o tipo de sinalização das vias, tipo de veículo e horário que pode circular”, todas questões que podem começar a ser decididas de maneira complementar, fora dos critérios de proteção da área, que são necessários para mediar os interesses sem prejudicar o ambiente, explica Alexandre Krob.
O Parque Nacional da Serra da Capivara, patrimônio cultural da humanidade e administrado pela Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), consta na lista do Ministério. Rosa Trakalo, da Fundham, não enxerga conflitos no fato do Parque ser cortado pela BR 020, de acordo com a reportagem de Wenzel. Constam também no ofício do governo a Reserva Biológica do Rio Trombetas e a Floresta Nacional de Saracá-Taquera, onde existe estrada somente na teoria - um projeto de extensão da BR 163, que nunca saiu do papel.
Outra unidade citada é o Parque Nacional do Jamanxim, que tem o leito e a faixa de domínio desafetadas desde a sua criação. A Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis, se destaca na lista por ser uma reserva composta por ilhotas, lajes e rochedos, sem qualquer estrutura de transporte. Jair Bolsonaro foi multado na reserva em 2012 por pesca proibida e depois de eleito declarou que pretende transformar o local em uma área turística, “a cancún brasileira”, nas palavras dele em evento da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan).
Na reportagem de Wenzel, a diretora da rede nacional Pró-UCs, Angela Kuczach, assume existirem alguns problemas envolvendo projetos de infraestrutura em áreas protegidas, mas nada que justifique uma medida tão radical. "Às vezes têm situações que você precisa resolver, situações de incompatibilidade de pequenas áreas dentro das unidades. A gente sabe disso, a gente não nega isso. Mas não é uma coisa que você vai resolver em uma canetada para 67 Unidades de Conservação", ela explica para a repórter.
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