Recentemente, vimos nas redes sociais a divulgação de vestígios de caça encontrados no Parque Estadual do Turvo e, também, a divulgação de algumas ações realizadas pelos guarda-parques. Ao perceberem o ocorrido as pessoas se surpreendem, reagem com indignação, pedem soluções, execram os caçadores. Isso é excelente! A sociedade precisa saber o que está acontecendo nas Unidades de Conservação e apoiar, cobrar, agir com cidadania para que as coisas melhorem ou se mantenham bem. Talvez estejamos falhando ao não deixar as pessoas que nos acompanham mais bem informadas sobre o que acontece, já que acompanhamos de perto e atuamos em diversas UC.
Essa mesma surpresa e indignação o Instituto Curicaca teve quando, no início de 2019, começou a atuar presencialmente no Parque numa parceria com o WWF Brasil. Antes disso, fazíamos mais um acompanhamento social a distância e algumas inserções específicas, como na motivação à criação do conselho. Agora, estamos direcionados à conservação da onça-pintada e de outros grandes mamíferos que ocupam a área, alguns na sua única ocorrência no Rio Grande do Sul. O parque é um local importante para o Corredor Trinacional do maior felino das américas, estratégia na qual atuamos em cooperação há vários anos. E foi aí que nos demos conta de como a caça é intensa naquela área protegida. São inúmeros os relatos que recebemos, como esse das carcaças encontradas, que inclusive são de um acampamento antigo, pelo que interpretam especialistas. A situação é gravíssima. Em outubro de 2018 uma onça-pintada foi caçada dentro do Parque, meses depois outra foi caçada do lado argentino. Poucos sabem disso. A caça ali é histórica e a sua persistência e até agravamento nos leva a referir, com tristeza, que se trata de um "campo de caça".
O que descobrimos também, e isso os caçadores já sabem, o que não traz problema em divulgar, é que os guarda-parques tem poucas condições de fazer o enfrentamento aos criminosos. O efetivo não tem armamento suficiente e pelo menos a metade não possui treinamento atualizado para o uso de armas de fogo. Uma ação mais efetiva e segura só acontece com a cooperação da Patrulha Ambiental de Três Passos, que possui condições de revide caso sejam alvo de tiros por caçadores surpreendidos. Por isso, é que a maior parte das ações de fiscalização realizadas pelos guardas é no Rio Uruguai, em busca de redes de pesca, o que mais aparece nas redes sociais. Eles sequer podem fiscalizar durante a noite, quando a possibilidade de prender criminosos seria mais efetiva, pois a administração da Sema não permite que trabalhem fora do horário diurno e nem paga hora extra. Isso os caçadores também sabem. Essa situação tem sido denunciada por nós internamente à Secretaria e externa aos órgãos de controle.
Por isso, nossa dedicação na região em 2020, e continuará nos próximos dois anos, está bastante direcionada ao apoio de ações de controle da caça, mas também estamos iniciando ações de apoio às boas práticas produtivas com a comunidade de entorno. O problema não se resolve de imediato, é claro. É preciso diagnóstico focado, uso de ferramentas inovadoras, planejamento tático, qualificação dos agentes, cooperações entre diversas instituições nacionais e internacionais de fiscalização e controle, uso de inteligência policial, compra de armamento e treinamento, dentre outros. Também é preciso promover alternativas econômicas sustentáveis para que a carne de caça não seja a principal proteína buscada pelos locais. Até agora, com apoio do WWF Brasil e cooperação com a UFRGS, a equipe do Parque e outros parceiros, diagnosticamos bem o contexto da caça; realizamos oficina inicial de planejamento com guardas-parques e polícia ambiental; reunimos com o Ministério Público; estamos organizando um curso de especialização no combate à caça; temos dialogado com a Sema pedindo a compra de armas e treinamento de tiro; doamos uniformes à equipe de guardas-parques; fortalecemos a cooperação de fronteira com o Ministério Ecologia Misiones, pois os mesmos caçadores atuam dos dois lados; promovemos a criação do Dia Municipal da Onça-pintada em Derrubadas; lançamos campanha em rádios locais alertando para a relação entre caça e consumo de animais silvestres e zoonose e pandemias.
Os desafios são gigantes e só podem ser vencidos com muita cooperação, prioridade e planejamento e ações estratégicas. Tudo está apoiado no Plano de monitoramento e análise das ameaças à onça-pintada e suas presas (PMAA Onça+), que organizamos e finalizamos de forma colaborativa em 2020. Nesse espírito, todo o acompanhamento social e pressão para a implantação de medidas é bem vinda e muito importante!
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