Neste dia 10 de setembro de 2021, data que se comemorara 63 anos do aniversário do Jardim Botânico da extinta (injustificavelmente) Fundação Zoobotanica do Rio Grande do Sul, vimos por meio deste manifesto trazer ao governo, à justiça e à sociedade nossa apreensão diante da situação de precarização progressiva do Jardim Botânico e demais instituições da então FZB, convertidos em partes de um setor diminuto de um departamento da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA).
Em primeiro lugar, torna-se evidente o desmonte não só no Jardim Botânico, mas também no Museu de Ciências Naturais e no Parque Zoológico, mesmo sendo considerados como Patrimônio Ambiental do Estado (Artigo 8º da Lei de extinção de fundações, n. 14.982/2017). Continuam sendo demitidos funcionários, inclusive jardineiros concursados, com experiência no cuidado com as plantas, e promoção também de demissões de técnicos pesquisadores, com experiência de décadas na coleta, semeadura e cultivo de plantas nativas do Rio Grande do Sul, pelo menos uma centena e meia de espécies ameaçadas de extinção ali existentes. Estas coleções demandam estruturas, equipamentos e pessoal, cada vez mais em número insuficiente, o que traz risco crescente de perda do acervo vivo, como já ocorreu com o Cactário, o Bromeliário, o Orquidário e outras coleções específicas de plantas raras com futuro incerto. Entidades ambientalistas cobraram em processos que tramitam na justiça há alguns anos quanto aos danos decorrentes de descaso com danos estruturais ao acervo vivo, em relação aos ex-responsáveis, ex-Governador José Ivo Sartori, ex-Secretária da SEMA, Ana Pellini, e ex-presidente da FZB, Luiz Fernando Branco.
Importante lembrar que a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu art. 251, § 1º, II e VI, define que: “impõe ao Estado a conservação “ex-situ” das espécies ameaçadas de extinção, em harmonia com o que prevê os arts. 23 e 225 da Constituição Federal. O Estado desenvolverá ações permanentes de proteção, restauração e fiscalização do meio ambiente, visando “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético contido em seu território, inclusive mantendo e ampliando bancos de germoplasma” (Constituição Estadual, art. 251, §1º, VI). Se os técnicos são demitidos ou se aposentam (até por falta de perspectivas) e não há estrutura e status para a continuidade de um Jardim Botânico, este trabalho diferenciado e essencial vai se perdendo junto com a memória dos técnicos quanto ao acesso, em cada rincão, aos recursos genéticos de centenas de plantas ameaçadas de extinção do Rio Grande do Sul (o Decreto Estadual n. 52.109/2014 lista 804 espécies nesta condição).
O modelo de “enxugamento” (ou estrangulamento?) das instituições de Estado que cumprem funções essenciais - como o JB, o MCN e o Zoo - veio por meio do PL 300/2015, de origem do governo José Ivo Sartori, sendo utilizada a justificativa de que, “extinta a Fundação [FZB], serão rescindidos todos os contratos de trabalho dos empregados, com imediato pagamento dos seus respectivos direitos rescisórios, e serão rescindidos contratos emergenciais eventualmente ainda vigentes”. Outro motivo alegado pelo governo da época: “extinguir a Fundação em epígrafe, tem-se por fim proceder a um sensível enxugamento da máquina administrativa, o que determinará considerável redução de gastos” (grifos nossos). São gastos proteger a biodiversidade e as pesquisas essenciais associadas a um tema que representa acordos internacionais assinados pelo Brasil?
Vale lembrar que o governo atual mantém a ausência de chefias e de estruturas e funções necessárias de um Jardim Botânico, amparados pela Resolução Conama n.339/2003, que estabelece um conjunto de critérios (Artigo 2º), como: “promover a pesquisa, a conservação, a preservação, a educação ambiental e o lazer compatível com a finalidade de difundir o valor multicultural das plantas e sua utilização sustentável; II - proteger, inclusive por meio de tecnologia apropriada de cultivos, espécies silvestres, ou raras, ou ameaçadas de extinção, especialmente no âmbito local e regional, bem como resguardar espécies econômica e ecologicamente importantes para a restauração ou reabilitação de ecossistemas; III - manter bancos de germoplasma ex-situ e reservas genéticas in situ; IV - realizar, de forma sistemática e organizada, registros e documentação de plantas, referentes ao acervo vegetal, visando plena utilização para conservação e preservação da natureza, para pesquisa científica e educação; V - promover intercâmbio científico, técnico e cultural com entidades e órgãos nacionais e estrangeiros; e VI - estimular e promover a capacitação de recursos humanos”.
Cabe lembrar, que em 18 de agosto de 2015, no mesmo ano do PL 300/2015, o Secretário Geral da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da ONU, o Dr. Bráulio Dias, em oficio ao governador J. Ivo Sartori, solicitou a retirada PL que extinguia a FZB, transcrevendo-se aqui alguns trechos do documento da CDB da ONU: “Além disso, as informações e soluções técnicas geradas pela Fundação auxiliam o Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil a implementar seus compromissos com as Nações Unidas pós-2015 agenda de desenvolvimento e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS], a serem formalmente adotados pelas Nações Unidas [...] Entre muitos outros destaques, a FZB-RS coordenou o avaliação da fauna e da flora ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul, contribuiu para a Lista Vermelha do IUCN referente às Espécies Ameaçadas e em Perigo, e atualmente está empenhada em coordenar uma Ação de Conservação Programa para Flora Ameaçada de Seu Estado”. As palavras do secretário-geral da CDB não foram ouvidas. Em janeiro de 2017, o governo estadual obteve a extinção da FZB e de outras fundações, por meio da maioria dos parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Apesar da situação que ilustra descaso de autoridades públicas, o Rio Grande do Sul possui os dois biomas brasileiros com menor quantidade de remanescentes (Mata Atlântica e Pampa), com menor percentual de Unidades de Conservação da Região Sul e com maior número de espécies de flora e fauna ameaçadas (1.084). Afinal, o Meio Ambiente e a Biodiversidade “atrapalham” os negócios para os principais setores econômicos (imediatistas) que comandam as políticas públicas no Estado e apoiaram a extinção das Fundações que realizavam atividades essenciais à Sociedade Gaúcha.
O governo Eduardo Leite segue dando sequência à demissão dos funcionários da extinta Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Afinal, na lógica da infraestrutura que foi incorporada injustificadamente à SEMA, a biodiversidade atrapalha os negócios imediatistas, em tempos de obscurantismo, que se consolidam no país exportador de commodities.
Já que o governo atual mantém a disposição em demitir técnicos e demais funcionários experientes, não provê estrutura administrativa clara e transparente para continuidade dessas instituições, fica flagrante a desimportância à manutenção de Jardim Botânico na Categoria “A”, obtida na década passada. O que esperar de seu futuro? A justiça cobra a manutenção desta categoria, inclusive em ações apoiadas por entidades ambientalistas. Mas, como garantir esta condição se não existe um plano claro para que isso se concretize?
Como agravante, o governo do Estado vem anunciando recentemente que fará a concessão de atividades do Jardim Botânico para empresas privadas. Diante dos argumentos acima assinalados, trazemos, com muita preocupação, as seguintes perguntas:
1) Dentro do atual quadro de desestruturação do Jardim Botânico e demais instituições da ex-FZB, como garantir que os objetivos de lazer e de lucro, mesmo que legítimos por parte de potenciais empresas concessionárias, não se sobreponham aos objetivos de pesquisa, manutenção dos bancos de germoplasma de plantas nativas ameaçadas, raras e de papel estratégico econômico e de educação ambiental que são condição à manutenção à Categoria A do JB?
2) Qual a estrutura administrativa (organograma? chefias? setores?), funcional e de equipamentos está prevista dentro da SEMA para dar continuidade à Categoria A do JB, exigida pelo Artigo 8º da Lei 14982/2014, pela Resolução Conama 332/2003, ação na Justiça, e agora sob o risco de uma concessão para uma empresa tornar a área em um mero atrativo verde aos seus negócios, perdendo seu papel educativo temático e de acervo de plantas raras, ameaçadas e de uso estratégico?
3) Qual o espaço de transparência e diálogo com a sociedade no sentido de se conhecer e opinar sobre o futuro do Jardim Botânico, agora sob a ameaça adicional de uma concessão privada utilizar-se deste espaço como objeto de mero lazer verde, atrativo aos olhos?
Eis, portanto, situações que os agentes públicos devem respostas à sociedade gaúcha, já que que nosso futuro socioambiental e de nossas instituições que protegem a biodiversidade segue na maré de incertezas e de riscos de perdas irrecuperáveis.
Porto Alegre, 10 de setembro de 2021
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - InGá
Instituto Curicaca
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