O projeto da usina hidrelétrica Garabi-Panambi é um enorme empreendimento localizado no rio Uruguai, no noroeste do Rio Grande do Sul, que pretende atender às supostas demandas energéticas da Argentina. Durante muito tempo, a construção da usina não foi de interesse do governo brasileiro, que não via aplicabilidade nacional para a energia a ser gerada. Entretanto, o Ministério de Energia acabou cedendo às pressões do país vizinho, de governantes gaúchos e de empreendedores interessados. O lago formado pela barragem inundará terras e florestas no lado brasileiro e argentino, atingirá o Parque Estadual do Turvo e afetará o Salto do Yucumã, maior salto longitudinal do mundo.
Estima-se que quase 10% da área do Parque do Turvo será alagada. A flora e a fauna são caracterizadas pela necessidade de que o rio suba e desça, que o ambiente molhe e seque periodicamente. Se permanecer somente inundado, toda a biodiversidade da parte alagada pode desaparecer. Do lado brasileiro, o único remanescente significativo de florestas está no Parque do Turvo. O restante da área inundada é ocupada por plantações de soja com algumas matas ciliares de rios.
O Salto do Yucumã é uma patrimônio geológico de altíssima importância. É o maior salto longitudinal do mundo, com 1.800 metros de paredes laterais por onde caem as águas do rio Uruguai. Atinge uma altura de até 20 metros, formando cachoeiras laterais. Com a hidrelétrica, a queda se reduzirá para no máximo 2 metros e sua beleza será fortemente afetada. O impacto sobre o salto será semelhante ao causado no Salto de Sete Quedas, que era a maior cachoeira em volume de água do mundo até o seu desaparecimento, com a construção da hidrelétrica de Itaipu durante o governo militar.
Já no lado argentino, onde estão as floresta de Misiones, com uma gigantesca importância em biodiversidade, a ponto de ser internacionalmente reconhecida, o impacto é talvez imensurável. Parte da floresta será derrubada e alagada, afetando espécies criticamente em perigo, como a onça-pintada, a águia-real (harpia), o queixada, a anta e o gavião-de-penacho. Muitas delas cruzam de um lado ao outro do rio e a viabilidade dessas populações depende disso. O lago será uma barreira derradeira. Para algumas, intransponível.
Existe uma mobilização forte de organizações não governamentais argentinas contra essa hidrelétrica. Como no Brasil o processo estava morno, a integração entre as ONGs argentinas e brasileiras em torno do tema também tinha diminuído, mas agora está sendo retomada. Recentemente, quando empresas de consultoria começaram a invadir propriedades no Rio Grande do Sul para fazer medições, o tema voltou à pauta, gerando revolta de moradores e manifestações contrárias de prefeituras da região.
Há tempos tem sido esperada a necessária e forte atuação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul em defesa da total integridade do Parque Estadual do Turvo e do Salto do Yucumã. É esperado também o posicionamento da Secretaria Estadual de Turismo, já que o Yucumã é um dos mais importantes atrativos naturais do Rio Grande do Sul. Dessa forma, a posição deveria partir do governo estadual como um todo. O tempo está se esgotando e, enquanto permanece o silêncio, o risco aumenta.
Corredor de onças será afetado
O coordenador técnico do Instituto Curicaca, Alexandre Krob, já ouviu alguns relatos de guardas-parques do Parque do Turvo sobre o avistamento de onças que teriam vindo das florestas de Misiones, atravessando o rio Uruguai. Krob explica que “quando o rio está cheio, a travessia é difícil, mas há muitos períodos em que, com a diminuição das águas, os animais o atravessam para acasalar com os que estão do outro lado. Com o lago, não haverá mais estes momentos propícios. A pequena população de onças que vive no Turvo, dramaticamente, terminará por ficar isolada”.
Segundo ele, “são animais que fazem um grande deslocamento entre o Parque Estadual do Turvo, no Rio Grande do Sul, o Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná, e o Parque Nacional Iguazu, na Argentina, incluindo as florestas de Misiones. Trata-se de uma única população, que precisa de grandes áreas de florestas, preferencialmente contínuas, para que seja viável”. Há também a necessidade de manutenção de um corredor de biodiversidade tri nacional, que vem sendo buscada pelo Instituto Curicaca e por outras instituições (saiba mais).
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