Ciclo debateu a aplicação de estratégias sustentáveis nos bairros
O Ciclo “Desenvolvimento sustentável: articulação de saberes e práticas”, promovido pelo Instituto Curicaca em parceria com o Centro de Ecologia e o Museu da UFRGS, reuniu cerca de 40 pessoas, na noite de 08 de junho (quarta-feira). Num ambiente montado para retratar os bares do bairro Bom Fim, houve uma roda de conversa mesclando o conhecimento acadêmico, a representação popular e os esforços públicos em busca da sustentabilidade nas áreas urbanas.
O evento intitulado “Bairros sustentáveis! Como criá-los em cidades consolidadas?”, fez parte da exposição “Bom Fim: um bairro, muitas histórias”, que ocorre no Museu da UFRGS, em Porto Alegre, até o dia 1º de julho. A dinâmica da cidade foi revisitada através da lógica de funcionamento dos seus bairros, das necessidades sociais e do emprego do conceito de sustentabilidade, que, às vezes, pode soar subjetivo. De modo que, discutir e observar exemplos reais sobre o tema é uma forma de torná-lo mais efetivo. “Queremos ter espaço nas discussões públicas para que os moradores dos bairros sejam participantes no processo de construção desses ambientes”, afirmou Alexandre Krob, coordenador técnico do Curicaca e mediador do debate. Os arquitetos Glênio Bohrer, da prefeitura da Capital e João Faria Rovatti, da UFRGS, junto a Janete Barbosa, representante do Movimento Petrópolis Vive, relataram suas experiências e propostas.
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A visão acadêmica sobre o planejamento urbano foi trazida pelo pesquisador Rovatti, que definiu um bairro sustentável como “aquele que deixa um legado para as gerações futuras, de civilidade, de urbanidade, onde ocorrem as relações sociais resultantes da mistura de gente e de atividades diversas”. Assim, a reflexão girou em torno do próprio sentido de sustentabilidade, que não está exclusivamente relacionado à existência de espaços arborizados, mas sim, funcionais tanto do ponto de vista ecológico quanto social. A ocupação humana sempre vai representar transformação da natureza, mas cada espaço precisa ser estudado e analisado de acordo com sua relevância e função.“Sustentabilidade representa abrir mão de alguma coisa”, disse Rovatti. De acordo com o arquiteto, agora que somos uma civilização urbana, as construções representam continuações do nosso corpo e a cidade é um organismo vivo onde todos querem ter seu espaço e qualidade nas suas relações. Por isso, o inconformismo, “a existência de conflitos em busca de melhorias nessas áreas representa vitalidade, a tentativa de consertar algo”, defendeu Rovatti. Essa insatisfação com as formas e funções que o espaço urbano ou um bairro específico pode adquirir e a tentativa de ajustá-lo de acordo com as demandas locais deve ser resultado da mobilização popular. Os moradores de cada bairro são os atores principais dessa luta, são aqueles que conhecem, se identificam e encontram significados culturais em determinados aspectos da área. “A gente só aprecia o que conhece, a defesa da sustentabilidade nos bairros deve ser uma responsabilização livre, autônoma, das pessoas defendendo o que gostam”, disse Janete Barbosa. O Petrópolis Vive atua, desde 2002, a partir dessa perspectiva, e surgiu de um simples abaixo- assinado contrário a ocupação do bairro por prédios altos. A representante do movimento, Janete Barbosa, apresentou as lutas e conquistas do Petrópolis Vive, no evento de quarta-feira. “Os gestores ficavam chocados com o inconformismo da população”, relatou Janete. Assim, os moradores são aqueles que vão trabalhar para que o planejamento urbano seja resultado das expectativas das pessoas e não das empresas. No caso do Petrópolis Vive, a comunidade se mobilizou contra a perda das tradições, o aumento do movimento, a redução dos pátios, a derrubada das árvores e acabou influenciando as definições públicas. Além de se unir a moradores de outros bairros em defesa da preservação ambiental e planejamento das áreas urbanas respeitando aspectos de sustentabilidade. Ter planejamento representa pensar e definir o que se quer ou não que aconteça na cidade no futuro, e a partir daí permitir a ocupação das áreas, porém isso deve seguir a lógica social e não a mercantilista, como ocorre atualmente. “Hoje, o planejamento existe para eliminar os problemas que a sociedade cria e que podem atrapalhar o mercado”, esclareceu o arquiteto Rovatti. Ao invés de seguir sua atribuição original que seria justamente o inverso, ou seja, o planejamento deveria corrigir as imperfeições do mercado. Um modelo que insere a sustentabilidade como base para o planejamento da área e sua recuperação está ocorrendo em Porto Alegre por meio do programa “Viva o Centro”, afirma seu coordenador, o arquiteto Glênio Bohrer. A iniciativa foi apresentada como alternativa às áreas que perdem sua identidade e equilíbrio devido à ocupação desordenada, que privilegia atividades específicas em detrimento da variedade. Conforme Bohrer, o aspecto ambiental não é, normalmente, peça chave no planejamento das áreas, pois outros problemas como falta de recursos e pessoal se tornam mais influentes. Em relação ao centro, estão sendo adotadas ações autosustentáveis, que visam a potencialização dos recursos públicos através de parcerias público-privadas. “Procuramos recuperar os bens históricos atrelando a eles uma ocupação, uma finalidade para que tenham continuidade de vida e o mesmo tempo valorizar os tipos de ocupação do centro, buscando parcerias para o desenvolvimento”, afirmou Bohrer. O Ciclo ainda abriu espaço para manifestação do público presente e deixou claro que as transformações surgem a partir da mobilização das pessoas, dos moradores de cada bairro. As cidades precisam ser domesticadas, porque como organismos possuem vida própria e as decisões dos administradores públicos devem ser baseadas na funcionalidade de cada espaço, seja ambiental, cultural, habitacional ou comercial. A existência das múltiplas atividades em equilíbrio é o que garante a qualidade das relações entre as pessoas e a sustentabilidade das áreas. Entretanto, “para que alcancemos esta sustentabilidade é necessário que adotemos indicadores da satisfação dos moradores e usuários dos bairros, transcendendo os indicadores clássicos de eficácia de ocupação, disponibilidade de serviços e equipamentos públicos, entre outros”, destacou Alexandre Krob.
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