A administração municipal de Torres deve ter proposto gerenciar o uso público do Parque Estadual de Itapeva com ótimas intenções, assim como a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul - Sema - a considerou com respeito, mas o assunto exige mais do que isso. O Parque deixou durante muitos anos de oferecer um bom serviço de visitação aos turistas e veranistas porque o tema não foi priorizado. Com isso, também deixou de oferecer a oportunidade de ganhos sociais e econômicos para a comunidade local, que poderia operar trilhas e vender produtos regionais. Durante um bom tempo funcionou na Unidade de Conservação um camping com churrasqueiras, que pela sua existência naquele local e por ter sido mal administrado tanto pela Prefeitura de Torres quanto pelo própria Sema, trouxe diversos impactos ao meio ambiente protegido.
A situação começou a mudar quando o Conselho do parque, ciente dos problemas, ao invés de uma reforma e reestruturação do camping, optou por dedicar esforços à elaboração de um Plano de Uso Público, capaz de ampliar os horizontes, definir formas técnicas e operacionais para garantir a conservação da biodiversidade associada à visitação. Assim, o Plano, elaborado pelo Instituto Curicaca por meio de processo seletivo da Sema e do Ministério Público Estadual - MPE -, também definiu que o uso público no Parque não seria concessionado para um único e grande interessado. Deveria acontecer através da soma de uma concessão maior, com acesso e estacionamento pagos, centro de visitantes, área de alimentação e loja de produtos promocionais, acessível a grandes empresários torrenses, e duas ou três concessões menores, com trilhas guiadas, caiaque, ciclismo, café panorâmico, acessível a médios e pequenos empresários e associações locais.
Uma análise baseada na capacidade institucional e no histórico aponta que não há benefício nenhum em um novo envolvimento da Prefeitura. O órgão não possui qualificação e corpo técnico necessários a uma boa gestão, não há motivo de ser ela um intermediário oneroso para terceirizar concessões e, ainda, porque para a boa implantação do planejado seriam necessários cerca de 12 milhões de reais de investimento de curto prazo, a serem recuperados gradativamente ao longo de 15 a 20 anos.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio - vem desde muito concessionando o uso público dentro de parques nacionais por também não ter a capacidade técnica e operacional instalada para fazer uma boa gestão desses serviços. Hoje é consenso técnico de que os órgãos gestores devem concessionar esse tipo de atividade para se concentrar na conservação da biodiversidade, onde são competentes. Isso não significa que concordamos com o modelo centralizador e concentrador de renda que vem sendo adotado pelo órgão. Ou seja, transferir entre entes públicos não muda nada, só piora quando se trata de um ente menor. Experiências passadas e presentes do Governo do Rio Grande do Sul em formar parceria com entes municipais para esse fim mostraram-se ineficazes, veja o próprio exemplo de Itapeva, com farta documentação processual e, inclusive, judicial demonstrando isso, e mais recentemente a situação do Parque Estadual do Turvo, onde a cooperação com a prefeitura acumula conflitos com a gestão estadual da área protegida e se mostra incapaz de controlar os impactos do turismo de massa, situação registrada em comunicações internas e reuniões do conselho.
Recentemente, o Instituto Curicaca formou uma turma de oito condutores de visitantes para o Parque Estadual de Itapeva, formada por jovens moradores locais e seguindo as orientações do Plano de Uso Público. Na formatura, que contou com a presença do Sr. Luciano Kops, Diretor da Divisão de Unidades de Conservação da Sema/RS, houve demanda para que o plano seja colocado em prática. A Sema informou que foi contratado o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE - para modelar o negócio, que já subcontratou o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos – UNOPS - para de fato realizar o serviço. Pelo que se sabe, o desenho deverá considerar uma integração entre o Parque Estadual de Itapeva e o Parque da Guarita. Como em outra frente, a Sema contratou o Banco Nacional de Desenvolvimento - BNDES – para modelar o negócio para o Parque Caracol, Jardim Botânico, Parque Estadual do Turvo, Parque Estadual de Tainhas e Parque Estadual Delta do Jacuí, o qual já subcontratou o Semeia e o Consórcio Araucárias, espera-se que venha por aí o modelo de mega concessões como vem fazendo o ICMBio. Esse formato será prejudicial para os condutores e empresários locais.
Dessa forma, sugerimos à Sema/RS que avalie com a necessária precaução a proposta de cooperação feita pela Prefeitura de Torres. Enfatizamos ainda, que deve ser implantado aquilo que prevê o Plano de Uso Público oficialmente publicado pela Sema/RS. Lembramos que esse instrumento foi construído com ampla participação social, envolvendo empresários, vereadores e gestores públicos torrenses, líderes comunitários e ONGs locais e foi feito à luz de uma ação judicial no MPE. Não é razoável desperdiçar o recurso financeiro e o tempo de dedicação dos envolvidos e do Ministério aplicados. Entendemos que as trilhas guiadas da mata e das dunas podem e devem ser implantadas por meio de contrato de parceria diretamente com a associação dos condutores recém formados, alguns deles já conduzindo escolas em visita ao Parque, como o ICMBio prevê e, por exemplo, fez com a visita embarcada ao Refúgio da Vida Silvestre Ilha dos Lobos.
E o Parque da Guarita?
A modelagem contratada pela Sema avaliará simultaneamente o Parque Estadual de Itapeva e o Parque da Guarita. A integração é óbvia, ela já foi apontada tecnicamente em diversos momentos decisivos â Unidade de Conservação. Em 2002, propusemos que a Guarita fosse incluída nos limites do Parque de Itapeva, pela relevância ecológica e estratégica. Seria simples, já que a área das Guaritas é de propriedade do Governo Estadual cedida à prefeitura. Em 2006, no desenho dos Microcorredores Ecológicos de Itapeva uma importante e necessária conexão entre as duas áreas foi delimitada, já que animais transitam entre elas. No diagnóstico do Plano de Uso Público, a área da Guarita aparece como oportunidade de um excelente portal de acesso à Unidade de Conservação, com estacionamento, infraestrutura preliminar, acesso direto aos veranistas, reforçando novamente à necessidade de incorporação. No zoneamento do Parque de Itapeva a área do Parque das Guarita foi incluída na zona de amortecimento e como chave para a integração pela conectividade. Possivelmente, a modelagem chegará a mesma conclusão.
Recentemente, o Parque da Guarita surgiu como mais um exemplo de que administrações municipais não têm a necessária capacidade para absorver a gestão de Unidades de Conservação estaduais ou federais, mal conseguem cuidar de suas próprias áreas. Mesmo se tratando de uma área turística, as decisões precisam levar em conta animais e plantas silvestres que ocupam ou frequentam a área, e os ecossistemas e suas dinâmicas. Uma iluminação, muitas vezes usada para monumentos e prédios históricos nas áreas urbanas, foi instalada para iluminar os morros testemunhos. É sabido na área ambiental que iluminações perturbam a fauna silvestre e alteram as dinâmicas ecológicas tanto dos animais como das plantas, que têm seu comportamento, hábitos de alimentação, reprodução e proteção definidos pelos ciclos diários da luz solar. Assim, iluminações artificiais noturnas confundem, podem alterar a fisiologia das plantas, atrair insetos e seus predadores, alterar a rota de aves migratórias, afastar morcegos e andorinhas na hora de sua alimentação crepuscular, expor à predação animais de hábitos noturnos que circulam protegidos pela escuridão, matar insetos polinizadores, entre outros.
É provável que o mesmo tipo de abordagem tecnicamente desqualificada feito às Guaritas fosse proposta e trazida para dentro de uma área protegida que deve atrair para o turismo. Muitos turistas também não têm noção dos impactos â natureza, por isso a educação ambiental em parques. Nesse sentido, temos que estar atentos também ao que poderá surgir das modelagens feitas para a Sema por bancos e suas subcontratadas. Rodas gigantes, tobogãs, parques de água e campings, por exemplo, não são negócios para virem poluir a paisagem e trazer perturbações à fauna protegidas dentro de Unidades de Conservação. Para isso, existe o entorno, onde podem ser estimuladas pelas políticas públicas municipais e estaduais, como já prevê o Plano de Uso Público elaborado e oficializado.
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