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Um sapinho sem pai nem mãe

Os campos de altitude amarelo palha pincelados com verde-escuras florestas de araucária são nossa terra natal. Em Cambará do Sul, há quase três décadas criamos a ONG Curicaca. Lá fomos em defesa da natureza e da cultura, o que ainda nos afeta. O risco da transformação de um lugar remoto e paradisíaco, onde íamos acampar, em mais uma plastificação turística imitando fakenews da Serra Gaúcha.



O sapinho-verde-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus cambaraensis) nos inquieta. Conhecido apenas no Parque Nacional de Aparados da Serra e na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, foi extinto localmente no parque há duas décadas pela obra de uma ponte de acesso a turistas. Diversas buscas jamais o encontraram novamente.


Na Floresta Nacional, a única população que resta passa agora por um duplo sufoco. Uma recente concessão do uso público mudou a gestão da área protegida. Paira a insegurança de que possam repetir-se o que houve no parque. A ex-gestora, Edenice de Souza, disse-nos que tem tido dificuldade de encontrar os sapinhos e pediu ajuda ao Curicaca com novas pesquisas.


Estávamos indo pra área e recebemos a notícia de uma ocupação pacífica pelos indígenas Xokleng, que por usos ancestrais demandam parte da Unidade de Conservação. Entendemos que os interesses sobrepostos no território devem ser resolvidos por uma dupla-afetação, com um termo de compromisso que deixe claros os compromisso de cada parte.


Já agimos no passado provocando justiça num acordo de uso comum entre órgão gestor e os quilombolas numa pequena porção do Parque Nacional da Serra Geral. A Funai, deve defender e apoiar os direitos originários sobre as terras. O ICMBio tem uma responsabilidade enorme com a biodiversidade e deve agir sem hesitar garantindo a sua proteção, cuidando para não prevaricar em meio às incertezas comuns ao processo.


Nas pedras em meio à exuberante Mata Atlântica, muito úmida pelas chuvas que chegam do mar e marcada por frondosas araucárias e gigantescos xaxins, encontramos nosso sapinho. Alheio a tudo que os humanos fazem, ele vocaliza suavemente misturando-se aos outros sons da floresta num delicioso e encharcado fim de tarde.

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