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Foto do escritorinstitutocuricaca

Vamos colocar fogo no Parque do Itaimbezinho?

Alexandre Krob*


Pois bem, isto é grosso modo o que pode surgir de um "Seminário técnico de manejo dos campos nativos em Unidade de Conservação", que será realizado no Parque Nacional de Aparados da Serra em meados de dezembro. Os pecuaristas da região já estão em alvoroço com a idéia, que casa bem direitinho com a demanda histórica dos campos de cima da serra. “Se nos parques pode, por que não na minha propriedade, na do vizinho, em todas elas juntas como sempre fazíamos nos meses de julho e agosto?”. A idéia deve chegar bem para algumas lideranças indígenas e antropólogos que defendem a criação de reservas indígenas sobre unidades de conservação da natureza. “Agora que os brancos começaram a usar a coivara nos parques e reservas não há porque negar que as formas de uso indígena são completamente adequadas a estas áreas. Que tal criar nossa reserva lá?”.


A idéia do manejo do campo com fogo surge da preocupação de pesquisadores especializados neste ecossistema e que estão horrorizados com os avanços das florestas sobre ele. Não conseguem se conformar em que a natureza possa seguir seu rumo, inclusive alterando para menos a riqueza de espécies, como já fez antes no período mais frio e seco, quando as florestas regrediram e os campos avançaram. Querem resistir de qualquer forma aos efeitos de um momento climático que favorece este processo ecológico. Por isso, resolveram propor a adoção do intervencionismo teocrático para evitar o “problema”. É uma postura que se apoio na escola americana de gestão de parques e reservas, que possivelmente influenciou o príncipe de Dubai a tornar-se o maior exemplo contemporâneo de manipulação da natureza. Afinal de contas, já estamos acostumados a nos empanturrar de hambúrgueres mesmo.


Torce-se pela possibilidade de este mesmo grupo promover também a queimada dos pinus, já que se trata de uma ameaça sem igual ao ecossistema. Para quem sabe lidar com fogo, um pauzinho aceso aqui, outro ali. Espera aí; acho que não, pois o zoneamento da silvicultura não os mobilizou às tropas de frente. Trata-se de política pública, um pouco além da cúpula da academia. Este esforço mais amplo, também não é feito para valorizar a pecuária, única alternativa econômica capaz de, se qualificada, interagir positivamente com o campo nativo, e sem fogo, como mostram as outras pesquisas. Um parêntese; perguntei a um técnico da EMATER, nosso parceiro na adoção de práticas de manejo conservacionista do campo nativo em Cambará do Sul em 1998, como havia se desdobrado aquele trabalho. Ele me contou da ampliação e dos frutos colhidos, mas que, mesmo assim, estava muito difícil. O preço do boi em pé, na porteira, está R$ 2,30. Quatro anos pra abater, uns 400 kg, lotação de meia cabeça por hectare, ganha R$ 230,00 por hectare ano. Se o boi não morrer, é claro. Mas quem se preocupa com isso? É só plantar pinus. Fecha parêntese.


Não há dúvida que o assunto merece atenção, inclusive o do parêntese. É preciso colocar na mesa de discussão, de embate, técnicos e pesquisadores em conservação da biodiversidade. Aqueles que defendem o avanço dos campos sobre as florestas e os que pensam o contrário. Há, não vamos esquecer aqueles que tenham um princípio diferente desta dicotomia.


Também devem participar. Não se trata, inclusive, de uma discussão restrita aos botânicos e ecólogos, pois quem tem a prepotência de manipular o ecossistema natural deve reconhecer a complexidade disso e assistir a opinião de antropólogos, sociólogos, historiadores, educadores, entre outros mestres de áreas, que podem ajudar na libertação das viseiras.


A arena de discussão também precisa ser mais bem escolhida. Se não sabemos tomar conta de uma fogueira, não devemos acendê-la no meio de um campo seco, já dizia meu avô, experiente, sábio e mecânico de trem. O Parque Nacional de Aparados da Serra não é, sem dúvida, o local adequado para essa discussão. A não ser que deixemos de ser hipócritas e convidemos também os prefeitos, os pecuaristas, os portadores de saberes popular da região, que podem colocar abaixo muitas de nossa “intelectuosas” idéias. Seria bem interessante, afinal de contas, há quem diga, e há quem “desdiga”, que o campo era mantido campo pelas intervenções naturais, tipo raios que provocavam grandes incêndios. Bem, se precisamos simular estes processos dentro das Unidades de Conservação, por que nos incomoda tanto que dentro delas permaneçam seus antigos proprietários, que foram e estão sendo excluídos das áreas porque sua presença impactava o sistema.


Em pleno efeito estufa e aquecimento global, sob o foco das queimadas e desmatamentos da Amazônia como o maior problema ambiental brasileiro, não dá pra ficar “pisando na bola”.

*Agrônomo, mestre em agronomia, especialista em gestão ambiental, ambientalista, coordenador técnico do Instituto Curicaca e membro dos conselhos gestores de sete Unidades de Conservação.

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